Como está hoje a publicação de livros eletrônicos no Brasil? Há pouco tempo havia uma diversidade muito grande de plataformas e ferramentas.
Hoje está um pouco mais homogêneo porque já se definiram algumas distribuidoras, algumas livrarias e algumas plataformas, com isso está mais fácil de trabalhar.
O mercado tem duas distribuidoras, a Xeriph no Rio de Janeiro, e a Arcaiaca em São Paulo. Tem esse modelo de distribuidora mais ou menos definido e tem outro modelo, o de consórcio, formada por várias editoras tradicionais.
Quanto às livrarias, também está mais definido. Tem a Cultura, Saraiva, Iba da Editora Abril, tem a Nuvem de Livros, a Google Play.
Com relação às plataformas, não tem mais só a comercialização do livro, ou a distribuição, elas têm também soluções de tecnologia, ou seja, hardware e software, caso da Amazon, com a plataforma Kindle, e a Kobo com a plataforma Kobo, e a Google com a plataforma Android. E a Apple, que está cada vez mais próxima.
Como é a produção? Em que se pensa quando se faz um livro digital?
Vou falar especificamente da Livrus, que talvez reflita o mercado lá fora. Aqui dividimos a empresa em três partes para os 3 processos principais: publicação, comercialização e divulgação.
Dentro da publicação você tem a fábrica de livros, em que se tem todo o processo editorial, da revisão de texto até a conversão de títulos.
Na parte de comercialização você pode ou comercializar no e-commerce próprio ou enviar para e-commerce de terceiros. Nesse último, pode-se enviar direto para uma livraria ou direto para uma distribuidora, e ela encaminha para as livrarias.
A divulgação é basicamente via mídias sociais e digitais, você usa todos os blogs, redes sociais, aplicativos e plataformas como meio de divulgação.
É necessário ter uma equipe grande na empresa?
Tem de ter pelo menos 3 líderes. Tem de ter o editor que cuida da publicação, uma pessoa que cuida da parte comercial como segundo líder. E uma terceira pessoa na divulgação. Então são 3 líderes, um que entenda de publicação, um que entenda de comercialização e um que entenda de divulgação. Abaixo delas, pode ter uma equipe grande ou uma pequena dependendo de cada editora.
No caso da Livrus, há muita terceirização?
Na publicação, temos um editor executivo, abaixo dele o corpo editorial (revisor, diagramador) é terceirizado. No futuro, pode ser que achemos interessante ter um revisor e um diagramador na casa.
Comercialização também tem uma pessoa interna, mas nesse caso específico, não precisa ter pessoas dentro da empresa porque as distribuidoras e as livrarias estão por fora, precisa só de uma pessoa para manter contato com a Google, a Saraiva……….
No caso da divulgação, a pessoa interna cuida de divulgar nossos livros principalmente em blogs, redes sociais e um pouco em mídia impressa também, que hoje é válido.
Colocar livros nas livrarias é difícil, caro?
No caso do livro físico, há dois trabalhos a ser feito: cadastrar os livros na livraria e um trabalho de logística, encaminhar os livros até a livraria e as distribuidoras. No caso da Livrus, que é uma editora pequena e torna-se muito trabalhoso colocar em pacotes etc., enviamos direto às distribuidoras e ajudamos a cadastrar nas livrarias, mas quem cuida da logística é a distribuira.
No caso de livros eletrônicos, o maior trabalho é cadastrar o livro, o que chamamos cadastro de metadados (autor, título, ISBN, ano, etc.). Feito o cadastro e o upload do arquivo do livro, não há mais trabalho na parte comercial, você basicamente aciona a divulgação, aguarda o livro vender e recebe o percentual das vendas. Elimina a logística impressa mas o que está acontecendo é que parte dos leitores lê livro impresso, então, felizmente ou infelizmente, você é meio que obrigado a publicar livros impressos.
E o mercado não sabe como vai ser o futuro, se as pessoas vão preferir só livro impresso, só livro eletrônico ou os dois.
Sobre os dados das editoras, com relação ao lucro com livros digitais, dados de um diretor da Editora da Unesp, Jézio Hernani, numa palestra na Feira de Frankfurt, ele dizia que em 2009 essa porcentagem de lucro nas editoras, nos Estados Unidos, era de 0,4% e poucos meses depois, em 2010, pulou para 4%, chegando no final de 2011 a atingir 20%.
Os números estão corretos, mas consideremos que o mercado editorial americano é gigantesco. A Amazon é apenas um recorte desse mercado, e dentro do case Amazon ela vende mais livros eletrônicos, ou seja, arquivos, do que unidades impressas, porém ela não diz qual o faturamento com livro impresso e com livro eletrônico, talvez ela lucre mais com livro impresso que com livro eletrônico embora venda mais unidades eletrônicas. Outra coisa, o quanto desse faturamento reflete dentro das editoras. Aí cai nesse 20% mencionado, que hoje pode já estar em 30%, e que pode ser o faturamento das editoras.
Ou seja, nem a Amazon nem as editoras faturam mais com o eletrônico. A Amazon vende mais eletrônico e fatura menos, e as editoras continuam vendendo e faturando mais com livros impressos.
Há dados do Ibope aqui no Brasil que diz que a penetração dos e-books chega a 9,5 milhões. E que menos 50% da população brasileira admite ler ao menos um livro impresso. Então dos 50% da população que lê, esses 9,5 milhões representariam 10% da população ativa de leitores de eletrônicos no Brasil.
O Ibope diz isso por conta dos aparelhos que estão nas mãos das pessoas. Você tem hoje um aparelho celular por habitante (alguns têm mais).
Há números que dizem que já ultrapassamos 250 milhões de linhas e por consequência, de aparelhos. Mas os aparelhos de celular não servem para a leitura de livros eletrônicos, e sim o smartphone, que tem tela maior, ou o tablete. Então o Ibope está se referindo ao fato de que há pessoas com tablets, e-readers e smarts. E essa é a penetração. Não quer dizer que esse contingente acesse, compre e leia livro digital.
E esse número de leitores, podemos falar em 10 milhões de leitores, não são os mesmos que lêem livros impressos, são dois públicos, dois consumidores totalmente diferentes.
Não são aqueles que sempre se interessaram por livros?
Pode ser que se confundam e se complementem mas não é a mesma pessoa. O leitor digital, que é a pessoa que consome o tablete, o smart e o e-reader, é outro público.
Eu diria que o digital está formando uma nova leva de leitores. Não está excluindo a anterior, essa vai continuar a ler em papel, está somando um público novo, um leitor novo que vai consumir coisas novas.
Então os e-books podem ser um caminho para as escolas? Porque os alunos são muito abertos às novas mídias.
Antes, há um problema estrutural de educação no país. O livro digital pode ajudar mas ele é um fim, não um meio. Esse é o maior problema da educação com relação ao digital, o digital é um meio para a educação e não um fim.
Quando um ministro fala na distribuição de tablets, em banda larga para todos, está pensando nisso tudo? Pode ajudar a melhorar a educação?
Não, está pensando em política partidária, em eleição. Quando se fala em banda larga para todos, o governo sabe que tem esse dado faltando, então usa em benefício próprio, o mesmo acontece quando o governo tem um projeto habitacional e usa isso como plataforma partidária.
Tablet para todos nada mais é que uma forma do governo fazer campanha dizendo que o governo está incentivando o consumo de mídias digitais na educação. Mas se for por esse viés, está dizendo que o tablet vai resolver o problema da educação e sabemos que não resolve.
No caso da banda larga, o acesso á internet é um problema estrutural do país como um todo, que reflete na educação.
Numa entrevista que fizemos com uma editora de livros didáticos, ela diz sobre os planos de livros didáticos do governo, que o governo não sabe ainda muito bem o que fazer com relação ao digital.
É porque colocamos a carroça na frente dos bois. Há uma demanda pelo livro digital didático, há essa percepção, mas o governo não reflete sobre isso e não tem como resolver esse problema, então compra-se tablets como se isso fosse resolver os problemas da educação.
Se não vier com a parte pedagógica junto nisso tudo…
Tem primeiro a parte estrutural e depois a parte de conteúdo. Essa parte quem cuida são as editoras, e se o governo não sabe o que quer, as editoras não conseguem entregar aquilo que o governo pede. É a mesma coisa que pegar livros impressos e colocar nas escolas. Se não houver um plano pedagógico adequado, aqueles livros de nada servirão. Pense isso nos tablets. Se não houver um acordo pedagógico entre diretoria, professores, governo e alunos, não se faz nada com os tablets. O tablet sem conteúdo é como uma folha de papel em branco. Então temos que tomar cuidado, o que nós queremos na educação? Queremos, por exemplo, que as crianças aprendam a ler e a escrever. Dito isso, os hardwares podem ajudar nessa dinâmica? De que forma? Aí sim, você faz a interlocução.
O governo está aprendendo, sabe que existe um tal de facebook, existe um tal de twitter, um tal de wapzap, um tal de e-book. E sabe que existe um tal de ePub, e um tal de Kindle. Sabe que existe uma atmosfera se formando, mas como ele transforma isso em benefício da educação do país?
Se o governo resolvesse o problema do acesso estava bom, ajudaria quem sabe fazer. Então a questão estrutural da internet é bem mais ampla, acho que os professores e alunos terem acesso à internet é mais importante, é o estágio anterior ao conteúdo. Quando se fala em tecnologia para educação um dos problemas estruturais é o cabeamento, a conexão. É a primeira coisa. Em seguida, é a formação docente adequada. E depois vem o conteúdo. Aí está quando digo que estão trocando tudo, colocando a carroça na frente dos bois.
[…] Deveria continuar com o livro impresso até aprendermos a usar o livro digital nas escolas.
Num país como esse, com essa dimensão e com tantas diferenças regionais, e sendo cogitado o livro digital nas licitações para 2016, como resolver já essas questões estruturais?
Sim, há amplas diferenças culturais. Veja bem, se o livro digital é tudo isso que estão dizendo, as escolas privadas já estariam fazendo, porque têm condições de serem mais rápidas. Tem escolas fazendo mas são projetos muito localizados. E é mais experiência e um pouco de marketing.
Tem uma escola em São Paulo que está ensinando os alunos, ao invés de consumir a Wikipédia, ensinam a criar e atualizar verbetes. Aí faz sentido. Aí é o novo mundo. Ensina o aluno a produzir conteúdo, pesquisar, a não acreditar em tudo o que se lê na internet. Está aí um método pedagógico para ensinar a usar as mídias digitais de modo correto. E como fazem isso? No tablet. Estão criando conteudistas do futuro. E não tem a ver com livro eletrônico, tem a ver com o mundo digital na educação.
[…] Há outras questões a considerar. Quem definirá as plataformas, se será Android, ou iOS da Apple, ou plataformas abertas, Linux, etc.? É uma discussão de padrão como ocorreu com a TV digital no Brasil, que levou anos para se chegar num acordo. E se o governo não determinar isso, cada editora entregará o livro numa plataforma própria. O que leva a um contra-senso, haverá um problema de inoperabilidade.
O problema do livro didático digital é um problema do que é público e privado. As grandes editoras tenderão a querer que sua plataforma se sobreponha às outras. Um livro impresso cabe em qualquer biblioteca, em qualquer estante, de aluno ou de professor, mas o livro eletrônico não. Cai numa questão que sempre destaco, tem de haver uma convergência perfeita dos três: hardware, software e conteúdo.
A CBL está nessa discussão? Pode interferir?
A Câmara Brasileira do Livro está em todas as discussões, é sempre convidada para conversar a respeito desse assunto. Mas as associações que representam o livro didático estão mais próximas do governo e sempre são chamadas para conversar sobre essa pauta.
Sobre a formação do editor, do gestor de uma editora de livro digital, qual é ela?
É tão multidisciplinar… Há pessoas de várias áreas. Eu, por exemplo, tenho formação na área de Ciências Humanas, a vantagem é que te dá uma visão global na hora de selecionar os títulos. Quem tem formação específica editorial precisa buscar um conhecimento a mais na área de Humanas.
Você tem formação em Humanas, mas entende bem de tecnologia.
Quem tem formação técnica em tecnologia não tem a visão global de mercado. O tecnólogo resolve questões bem pontuais de tecnologia.
É uma visão multidisciplinar mesmo. Quem tem formação mais técnica tem que buscar conhecimento mais das Humanas e quem tem formação em Humanas, tem que buscar obrigatoriamente conhecimento técnico.
Os livros digitais, por seu processo mais rápido de edição, não são marginalizados, vistos de forma não tão séria?
Muitas vezes o que era underground hoje é mainstream. Como aconteceu com a literatura fantástica, por exemplo.
Existe um preconceito por existir a produção independente, o autor pagar sua obra, mas devemos separar o modus operandi da questão da independência financeira. Existe o corpo editorial, o livro tem de ter qualidade editorial.
Nesse mundo da publicação digital então, o autor é mais dono do seu livro?
Ele é mais dono de sua carreira. Pois o livro é sempre do autor, a lei de direitos autorais lhe garante esse direito. A editora explora a obra comercialmente, investe, trabalha para a obra dar certo, mas o livro é sempre do escritor.
Podemos dizer que ele é mais independente, opina mais no seu livro. É uma mudança positiva. O que precisa é o autor aprender a ouvir o corpo editorial porque o autor acha que sabe a melhor capa, o melhor título etc. mas não sabe, não tem a visão comercial.
É nisso que a cultura digital ajuda. O autor tem que ser mais maleável e a editora tem que ouvir a opinião do autor.
Uma editora de livro eletrônico publica uma diversidade grande de títulos, não tem a linha editorial como as editoras de livro impresso?
As editoras convencionais passaram 200 anos aprendendo a fazer livro. Quando aprenderam a fazer livro automaticamente se verticalizaram, optaram por trabalhar segmentado, por motivos de identificação com o público, conhecem a quem se dirigem, o que facilita na comunicação. Se verticalizaram na comunicação.
Estamos começando de novo, as ferramentas digitais estão na mão de todo mundo, a ferramenta é barata permitindo que a editora publique todo tipo de título. É nesse estágio que estamos. Acredito que o próximo estágio é as editoras virtuais se especializarem novamente.
O que faz você acreditar que elas vão se especializar?
A identificação do público. A comunicação direta com o público. É mais fácil você se especializar e conversar com aquele público específico do que pulverizar para todo mundo. Está tudo começando agora, então você não percebe a expertise delas, mas existe. Parece que e tudo ao mesmo tempo agora, mas não é.
Voltando aos didáticos, qual seria a primeira coisa para se especializar em livro digital?
Acho que o primeiro grande passo é o entendimento. O professor precisa entender, o aluno, o governo e a editora precisam entender o que é livro digital. De novo o entendimento. Não é o entendimento técnico, do hardware ou software, é um entendimento do que é o conteúdo, talvez. Como é produzido, como pode ser entregue, como pode ser consumido. Esse é o primeiro passo, nós não estamos nos entendendo, cada uma está fazendo uma coisa. Se todos entenderem, fica mais fácil dar os próximos passos.
Que tipo de experiência os leitores, os usuários, estão buscando no digital? Interatividade?
Acho que não é a interatividade, ela vem depois. Acho que é o acesso à leitura digital. A primeira coisa que precisa é dar acesso às pessoas. A pessoa não tem acesso porque não tem o hardware, o software e o conteúdo.
É análogo ao livro impresso. No caso hardware papel, o software papel, o conteúdo papel você tem a facilidade do acesso. Onde está o acesso? Está na livraria, na biblioteca, na banca de jornal. No eletrônico onde está o acesso? Preciso ter um hardware, tenho que ter acesso à internet, um aplicativo instalado, e depois tenho que ter o conteúdo. O que é mais fácil, acessar um livro eletrônico ou um impresso? O impresso? E o que é melhor? O impresso, porque é mais facilmente acessado. Estamos falando de acesso. Acessar um cinema, acessar um aparelho de cultura, acessar uma biblioteca, um teatro.
Então, o primeiro passo é o entendimento, e o segundo é o acesso. A parte técnica deve ficar fora. Está se fetichizando a tecnologia em detrimento ao acesso. A indústria de tecnologia cria o fetiche justamente para te vender a solução.
Por último, há algo mais que queira dizer, algo que não tenhamos perguntado?
Eu resumiria da seguinte maneira. Hoje os olhos das pessoas estão voltados para as telas, tela de um Playstation portátil, tela de um Nintendo DS, tela de tablet, smartphone, tela de um celular, de um gravador de MP3. E tela de cinema, TV, no metrô, ônibus. Com isso, o livro tem de estar nas telas. Então o entendimento que o governo e as editoras também precisam ter é que não importa a tela, tem de estar dentro de uma, nem que o livro eletrônico seja lido numa lousa digital.